A competência da Justiça Eleitoral para o julgamento de crimes conexos e a criação de um “SUPREMO” inimigo

O Supremo Tribunal Federal decidiu que os crimes de lavagem de dinheiro e corrupção quando conexos do caixa dois, devem ser processados no âmbito da Justiça Eleitoral.
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Anna Graziella Neiva Advocacia
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abr 17, 2019

Anna Graziella Santana Neiva Costa [1]
Mariana Costa Heluy [2]

O Supremo Tribunal Federal decidiu na quinta-feira (14 de março), em votação apertada (6 a 5), que os crimes de lavagem de dinheiro e corrupção quando conexos do caixa dois, devem ser processados no âmbito da Justiça Eleitoral.

A Suprema Corte consolidou entendimento já aplicado pela Segunda Turma do STF, órgão competente para apreciação e julgamento dos casos da badalada operação Lava Jato. O julgado ganha especial relevo por uniformizar o entendimento na Suprema Corte, visto que a Primeira Turma, do mesmo órgão, adotava raciocínio contrário, provocando instabilidade.

Em voto divergente, o Ministro Luís Roberto Barroso defendeu que os crimes comuns deveriam ser julgados pela Justiça Federal e os delitos eleitorais pela Justiça especializada, sustentando que a última não seria vocacionada para julgamentos criminais. No mesmo sentido, o Ministro da Justiça Sérgio Moro ponderou, em rede social, “a Justiça Eleitoral não está preparada para julgar corrupção e outros crimes comuns”. Já o Procurador da República, Deltan Dallagnol, publicou em seus perfis na web a assertiva: “hoje, começou a se fechar a janela de combate à corrupção política que se abriu há 5 anos, no início da Lava Jato”.

Com todo respeito aos que discordam, a controvérsia travada não pode enveredar para argumentos que transformem a Suprema Corte em uma espécie de “inimigo público da sociedade”, ou ainda, “ em um demônio popular”, como nominou o desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Ney Bello, em recente artigo[3], tão-somente por aplicar impecavelmente os preceitos da Constituição Federal e das demais normas do arcabouço jurídico brasileiro. Como guardião da Magna Carta, o STF não pode se curvar a interpretações e anseios alheios ao sistema normativo que, indubitavelmente, comprometem a segurança jurídica.

Tal qual o Ministro Marco Aurélio, não se entende o motivo da polêmica, vez que todos os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais conduzem, sem embaraços, à competência em razão da matéria. A Constituição diz, claramente, que é a Justiça Federal quem julga causas de interesse da União, “ressalvada a competência da Justiça Militar e Eleitoral”. Já o Código Eleitoral enfatiza que o ramo é responsável por processar e julgar os crimes eleitorais “e comuns que lhe forem conexos”.

Não se deve olvidar que precedente adquire valor de lei ou, por vezes, até de regra constitucional e decisões que visem prioritariamente aprovação e aplausos de parcela da opinião pública – distanciando-se da legalidade – incorrem, perigosamente, nos riscos da pós-verdade. Define o historiador Gregorio Caro Figueroa pós verdade como “a situação na qual, na hora de criar e modelar a opinião pública, os fatos objetivos têm menos influência que os apelos às emoções e às crenças pessoais”.

A sociedade contemporânea experimenta o tempo da fake news e da modernidade líquida de Zygmunt Bauman. Considerado um dos pensadores mais importantes e populares do fim do século XX, o sociólogo polonês discorreu sobre a fluidez e, na modernidade líquida, o Estado perde força. As sólidas estruturas dos princípios constitucionais são temerosamente corroídas.

Desejo e clamor social, ainda que envolvam a valorosa luta pelo combate à corrupção, jamais podem ser o âmago de um debate jurídico. Ora, se a suposta conduta atribuída aos investigados possui inequívoca conotação eleitoral, a fixação da competência deve estar assentada – à luz do artigo 109, inciso I, parte final, da Carta Magna, do artigo 35, inciso II do Código Eleitoral e do artigo 78, inciso IV do Código de Processo Penal – à Justiça Eleitoral. Por conseguinte, a forum attractionis dos crimes conexos tem o condão de viabilizar a unidade de processo e julgamento e concretizar a segurança jurídica.

Os movimentos de deputados federais e senadores, após o julgamento da Suprema Corte, com o desígnio de propor alteração em artigo de lei que versa sobre crimes conexos aos delitos eleitorais, robustece a certeza de que o STF se reconciliou com os regramentos pátrios.

A argumentação de que não estaria a Justiça Eleitoral preparada para o desafio, a rigor, não é uma alegação válida. É um sofisma.

Por outro lado, o raciocínio de que Justiça Federal seria a “competente” para o enfrentamento da temática por não terem os juízes eleitorais “qualificação para analisar crimes de outra natureza”, merece severa reprimenda e simples esclarecimentos: a Corte Eleitoral Brasileira possui composição heterogênea, mantendo em seus assentos, inclusive, magistrados oriundos da Justiça Federal, nos exatos termos dos artigos 119 e 120, da Carta Magna.

Outrossim, os órgãos competentes para investigar e denunciar em casos de competência da Justiça Federal, são exatamente os mesmos legitimados no âmbito na Justiça Eleitoral: Polícia Federal e Ministério Público Federal.

Afastar a governança judicial da Corte Especializada diante de fatos que atingem diretamente a lisura das eleições, a igualdade dos candidatos, a democracia e, acima de tudo, a soberania popular tutelada no art. 1º, parágrafo único, da Constituição Federal é, sobretudo, violentar um Poder que representa o pilar do sistema democrático brasileiro.

Causa espécie aos que têm a prodigalidade de olhares mais atentos o aquecido debate que envolve a definição da competência para o julgamento dos crimes conexos aos eleitorais, vez que seja a justiça Federal, a Eleitoral ou a Comum, todas (i) possuem o encargo de fazer Justiça, aplicando escorreitamente a lei; (ii) são passíveis da vigilância e da cobrança social; (iii) é a Justiça Eleitoral a mais acessível aos cidadãos, por ser a tutora da vontade popular.

Neste ponto, aproveita-se para pausar e pedir desculpas a todos os valorosos e aguerridos Juízes, Desembargadores, Ministros, servidores que compõem as Cortes Eleitorais do nosso país por tantos ataques levianos à capacidade técnica de quem, ao longo de anos, guarda, zela, luta pela preservação da defesa do nosso maior e mais valioso bem, a soberania popular.

Não se está aqui a defender o dito “golpe” ao combate à corrupção. Pelo contrário. É preciso combatê-la dentro dos parâmetros constitucionais e legais. Deve-se punir, severamente, corruptos e usurpadores da vontade popular. Contudo, qualquer enfrentamento que ocorra fora ou distante dos contornos da legalidade, por mais nobre que seja o valor defendido, não fortalece a democracia, como bradam alguns insufladores.

A relativização do acatamento às leis não pode, jamais, atingir a estrutura constitucional, que é sustentada por princípios democráticos inarredáveis. Tais princípios são alicerces do estado democrático de direito.

Se a legislação brasileira não atende mais aos anseios sociais, que o povo brasileiro vote, com consciência política, para formação de um Congresso atuante e preparado para executar, com competência, as modificações legais necessárias e que parecem hoje se impor.

Até lá, que se dissipem as cortinas de fumaça, se façam ouvidos moucos para uma opinião pública forjada, se desnudem os desejos espúrios e interesses subalternos. O Brasil é democrático e sob a égide da lei vigorará.

[1] Advogada, Pós-Graduada em Direito Constitucional e em Ciência Jurídico-Políticas; MBA em Direito Tributário. Mestranda em Ciências Jurídico-Políticas. E-mail: annagraziella@annagraziellaneiva.com.br

[2] Advogada, especialização em Gestão do Transporte Marítimo e Portos. E-mail: marianaheluy@annagraziellaneiva.com.br

[3]O Judiciário e o Supremo: a equivocada criação de um demônio popular: https://www.conjur.com.br/2019-mar-17/crime-castigo-judiciario-stf-equivocada-criacao-demonio-popular#author

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